A legalidade ou não da inversão da cláusula penal

16 Mai

Artigo do Desembargador do Trinunal de Justiça do Estado Sergipe, Doutor João Hora Neto

 

O propósito deste artigo é discutir a legalidade ou não da inversão da cláusula penal, a partir do julgamento pela 2ª Seção do STJ do REsp 1.631.485/DF [1], de 8 de maio de 2019, em sede de recurso repetitivo, que resultou no Tema 971, com a seguinte tese firmada, verbis:

“No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.”

Da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, o recurso especial foi provido em parte, com voto divergente da ministra Maria Isabel Gallotti e, desde então, o Tema 971 tem sido alvo de críticas.

A inversão da cláusula penal significa dizer que em um contrato celebrado entre A e B, a cláusula penal que é prevista para eventual inadimplemento de A é aplicada a B.

A polêmica central é a seguinte: em um contrato de compra e venda imobiliária, a cláusula penal, até então inserida em desfavor do comprador/devedor, poderá também ser imposta em desfavor do vendedor/credor? Ou melhor, é possível estender a aplicação de uma multa contratual, originariamente incidente apenas em caso de atraso no pagamento das parcelas pelo comprador, também à hipótese de atraso na entrega do imóvel pela construtora? [2].

A cláusula penal é uma figura jurídica ligada ao direito das obrigações e vem sendo usada e desenvolvida por mais de dois mil anos [3], cuja ancestralidade histórica é atribuída à stipulatio poenae do direito romano primitivo [4], a qual tinha como “objetivos garantir a execução da obrigação principal e atribuir o dever de reparação ao devedor, na hipótese de inexecução do avençado” [5].

Também denominada de pena convencional ou multa contratual, é definida na doutrina clássica (Clóvis Bevilacqua) como “um pacto acessório, em que se estipulam penas ou multas, contra aquele que deixar de cumprir o ato ou o fato, a que se obrigou, ou, apenas, o retardar” [6].

Na doutrina moderna (Caio Mario da Silva Pereira), é definida como “uma cláusula acessória, em que se impõe sanção econômica, em dinheiro ou outro bem pecuniariamente estimável, contra a parte infringente de uma obrigação” [7].

A cláusula penal possui natureza jurídica contratual, porquanto se trata de uma obrigação acessória do contrato principal [8], pois visa a reforçar o vínculo contratual e estabelecer uma indenização convencional, uma vez que sua causa tem raiz no receio do inadimplemento do contrato [9].

Funções da cláusula penal

Duas funções são ínsitas à cláusula penal: função coercitiva, pois serve de reforço à obrigação principal, como um meio de intimidação ao devedor; função ressarcitória, pois serve como um instrumento de indenização, visto que pré-avalia o quantum das perdas e danos que o contratante terá que pagar, caso se torne inadimplente, ou seja, converte em res certa aquilo que é incerto[10].

 

O objeto da cláusula penal é a promessa de uma pena convencional, quer dizer, uma promessa do devedor ao seu credor de lhe pagar uma prestação no caso de inadimplemento absoluto ou moral [11].

Geralmente, a cláusula penal é fixada em dinheiro, mas nada impede que seja convencionada em prestação de outra natureza, como a entrega de uma coisa, a realização de um ato ou serviço, ou a abstenção de um fato, podendo ser entabulada com a obrigação principal (uno actu), a que adere, ou em ato posterior, “em instrumento apartado, desde que antes da violação da relação obrigacional” [12], não se exigindo, para a sua celebração, emprego de palavras tradicionais (cláusula penal, pena convencional ou multa).

Espécies de cláusula penal

À luz de sólida doutrina [13], duas são as espécies de cláusula penal — a compensatória e a moratória — sendo que a primeira se refere à hipótese de inexecução completa da obrigação, e a segunda, às hipóteses de descumprimento de alguma cláusula especial ou simplesmente de mora. Assim, na hipótese de cláusula penal compensatória, ela se converte em benefício do credor, que opta livremente entre a exigência da pena e o cumprimento da obrigação, tornando-se uma via alternativa para o credor. Já na hipótese de cláusula penal moratória, assiste ao credor o direito de exigir conjuntamente a multa e o desempenho da obrigação principal.

Conforme doutrina dominante [14], a concepção da cláusula penal existe e funciona, desde sempre, em desfavor do devedor e não do credor, diferente, pois, do que foi decidido pelo Tema 971, de forma heterodoxa.

O caso julgado diz respeito a um contrato de promessa de compra e venda de um imóvel adquirido na planta e que, a despeito da adimplência do adquirente, a incorporada não entregou o bem no prazo ajustado. Com isso, o comprador ajuizou demanda indenizatória e, entre os pedidos, pugnou pela inversão da cláusula penal moratória, tendo sido deferido esse pedido pelo juízo a quo. A construtora apelou, argumentando pela inexistência de previsão legal de multa moratória a favor do adquirente, tendo o apelo sido provido parcialmente e, nesse ponto, afastada a inversão da cláusula penal. Após, o adquirente interpôs Recurso Especial nº 1.614.721/DF, que foi afetado em sede de recurso repetitivo.

Incidência da Lei dos Distratos

O primeiro ponto que enfatizo se relaciona à questão de ordem suscitada no julgamento, pertinente à incidência ou não da Lei dos Distratos (Lei 13.786/2018), vigente desde de 28 de dezembro de 2018 — que criou uma espécie de cláusula penal moratória legal [15] — mas que não foi aplicada aos processos em curso (o caso sub judice), por força da regra da proibição de retroatividade de leis, consectário do princípio da segurança jurídica implícito na Carta Magna [16], em respeito ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, Constituição, artigo 6º, II, Lindb) dos contratantes em litígio.

Na origem, vê-se que as partes entabularam uma promessa de compra e venda imobiliária consumerista, mediante contrato de adesão, que não é uma categoria contratual de per si (propriamente dita), e, sim, uma modalidade de contratação padronizada, homogênea e massificada, com predisposição rígida e unilateral das cláusulas [17] e incidência nas searas civilística e consumerista.

 


11 Jun

CNJ 20 anos: AMB, lideranças da magistratura e presidentes de Tribunais se reúnem com o presidente do CNJ e do STF

CNJ 20 anos: AMB, lideranças da magistratura e presidentes de Tribunais se reúnem com o presidente do CNJ e do STF
02 Jun

NOTA DE PESAR

NOTA DE PESAR
02 Jun

Nota de Pesar – Edinaldo César Santos Júnior

Nota de Pesar – Edinaldo César Santos Júnior