O Judiciário não silencia, age!

24 Jun 2020

O Poder Judiciário tem como atribuição típica prevista na Constituição Federal de 1988 a função jurisdicional, ou seja, aplica as normas legais aos casos concretos e resolve conflitos, buscando a distribuição da Justiça em seu sentido mais amplo.

Entretanto, com o advento da Lei Maria da Penha e a ratificação pelo Brasil de tratados e convenções internacionais, nas questões relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher, ampliou-se a sua atribuição, especialmente na articulação para o fortalecimento de políticas públicas judiciárias para prevenção e enfrentamento eficaz e de forma integrada com os demais setores, governamentais e não governamentais, visando garantir os direitos humanos de mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares.

O artigo intitulado “Quando o Poder Judiciário silencia: agravamento da violência contra a mulher?”, externa profundo desconhecimento não só em relação ao complexo fenômeno da violência contra a mulher, que, vale lembrar, não é um problema jurídico apenas, mas eminentemente social e cultural, como também em relação às ações do Judiciário e sobre o próprio funcionamento da rede de atendimento à mulher vítima de violência e das competências e atribuições a cada um dos atores desta rede, que devem agir de forma integrada.

Tal artigo atribui ao Judiciário um papel que não é seu, na medida em que criação e execução de políticas públicas visando a implementação e ampliação da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência são de responsabilidade do Poder Executivo. Ao Judiciário cabe sim, como já referido implementar políticas públicas judiciárias e articular com os demais atores da rede de atendimento à mulher (assistência, saúde, educação, etc…), que deve ser implementada pelo poder competente. No mais, ignora todas as ações do Judiciário brasileiro desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor no Brasil, há mais de uma década.

O Judiciário ano a ano inovando e apresentando à população soluções e formas de minimizar problemas que ocorrem justamente por ausência de políticas públicas e pela dificuldade no acesso à rede de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Em 08 de março de 2007, através da Recomendação n. 9, o Conselho Nacional de Justiça recomendou aos Tribunais de Justiça a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a adoção de outras medidas para a implementação de políticas públicas que visassem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares. E assim tem sido feito, criaram-se juizados e ampliaram-se os números de varas de violência doméstica em todo país, levando-se em conta, por certo, a possibilidade orçamentária de cada tribunal.

Em 2009 foi criado o Fonavid – Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica, durante a Jornada Maria da Penha, realizada anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça. O referido Fórum mobiliza diariamente Juízas, Juízes e equipes multidisciplinares do Poder Judiciário que atuam incansavelmente em todo o Brasil, discutindo políticas públicas judiciárias para o enfrentamento da violência contra a mulher, debatendo e formulando enunciados anualmente, realizando parcerias com empresas e sociedade civil e acompanhando os projetos de alterações da Lei Maria da Penha que tramitam no Congresso Nacional.

A Resolução n° 128/2016 do CNJ criou as Coordenadorias Estaduais da Mulher em situação de violência doméstica, órgãos vinculados à presidência de cada Tribunal de Justiça, as quais possuem entre suas atribuições a gestão de políticas, ações e mecanismos de atendimento à mulher no combate e prevenção à violência doméstica e familiar, contribuindo para o aprimoramento da estrutura e das políticas do Poder Judiciário nesta área. Além disso, as coordenadorias atuam na organização e coordenação das “Semanas da Justiça pela Paz em Casa”, promovendo o esforço concentrado para o julgamento de processos e apoio material aos juízes e equipes técnicas para a melhoria da prestação jurisdicional; gerenciam e encaminham ao CNJ os dados referentes aos processos de violência doméstica; apoiam a realização da “Jornada Maria da Penha” e do “Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica”, com a finalidade de identificar e disseminar as boas práticas no enfrentamento dessa violência por todo o país.

Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 254 que instituiu a Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no intuito de aprimorar a prestação jurisdicional e fomentar a realização de parcerias com órgãos governamentais e não governamentais para efetivação de programas de prevenção e combate à todas as formas de violência contra a mulher.

Ainda, a Resolução n. 284/2019 do Conselho Nacional de Justiça instituiu o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que foi elaborado através de um grupo de trabalho coordenado pelo Ministro Rogério Schietti e magistrados integrante do Fonavid e, posteriormente unificado através Resolução Conjunta n. 5, do CNJ e Conselho Nacional do Ministério Público, com a colaboração também do Copevid (Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do MP). Esse formulário tem sido utilizado em todo o país para que a rede de atendimento à mulher tenha conhecimento dos riscos que se apresentam ao caso concreto, permitindo ações mais eficazes para a proteção da vítima. Registre-se que a capacitação da rede para utilização do formulário tem sido realizada pelas próprias magistradas e magistrados na maioria das comarcas do país.

Também, encontra-se em fase final de criação, pelo Conselho Nacional de Justiça, através da coordenação da Conselheira Maria Cristiana Ziouva, o Banco Nacional de Medidas Protetivas, um sistema integrado para o acompanhamento de medidas cautelares para a maior proteção das mulheres em situação de violência.

Uma breve pesquisa no site do CNJ, no Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher demonstra um aumento de 10% no número de novos processos de violência doméstica, ou seja, 563,1 mil novos processos e 70 mil novas medidas protetivas distribuídas ao Judiciário no ano de 2019 em relação a 2018. Também se verificou o aprimoramento da prestação jurisdicional com um aumento considerável no número de sentenças proferidas (incremento de 35%) e de medidas protetivas concedidas (aproximadamente 20%). Isto resultou em um total de 413.901 sentenças proferidas e 403.646 medidas protetivas de urgência concedidas no ano de 2019. Tais números demonstram o árduo trabalho dos Juízes brasileiros no processamento e julgamento de processos de violência doméstica.

A par disso, tanto as coordenadorias como os magistrados e magistradas individualmente possuem inúmeros projetos para a prevenção da violência contra a mulher, como, por exemplo: (i) “Maria da Penha vai à escola”, presente em todos os Estados e na maioria dos municípios brasileiros; (ii) “Mãos Empenhadas contra a Violência”, iniciado em MS e já replicado pelas coordenadorias para os estados de PA, PE, SP, RS e RJ, que leva informação sobre a rede de atendimento para mulheres vítimas de VD; (iii) “Tem Saída”, do Estado de São Paulo, que busca auxiliar a colocação da mulher no mercado de trabalho; (iv) os projetos Violeta e Sala Lilás, no Rio de Janeiro, que visa o atendimento humanizado e célere às mulheres vítimas de violência; (v) o Projeto Borboleta Lilás, do RS, que acolhe sobreviventes de feminicídios, em parceria com as varas do júri; (vi)números Termos de Cooperação realizados com os Poderes Executivos estaduais e municipais visando a facilitação ao acesso à justiça (para que as medidas on-line sejam uma realidade em todos os estados); (vii) projetos de atendimento não só à vítima, mas também ao agressor, como os vários grupos reflexivos que vêm funcionando em todo país, geralmente vinculados aos juizados de violência contra as mulheres ou às coordenadorias, algumas vezes em parceria com o Poder Executivo ou universidades (exemplo do Projeto “Abraço” em Rondônia e “Grupo Dialogar”, fruto de parceria da Coordenadoria do TJMG e da Polícia Civil). 

Isto não é silenciar!

Mais especificamente, neste momento de pandemia, inúmeros juizados pelo país prorrogaram automaticamente as medidas protetivas e também colocaram à disposição telefones e sites para atendimento das mulheres em situação de violência, a exemplo do TJPB que permitiu o pedido de prorrogação de MPUs através de telefone ou do site. Na capital do Mato Grosso do Sul teve início o projeto piloto inédito de pedido de medidas protetivas on-line, diretamente solicitadas pelas vítimas junto à Vara de Medidas Protetivas, sem a necessidade do registro de ocorrência prévio, entre outras inúmeras iniciativas no sentido de facilitar o acesso à Justiça para as mulheres em situação de violência.

Por fim, e ainda considerando o contexto da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça e a Associação dos Magistrados Brasileiros em parceria com o Fonavid, Cocevid (Cólegio de Coordenadores Estaduais da Mulher em situação de Violência Doméstica), Conselho Federal de Farmácia, Abrafarma, Abrafad, Instituto Mary Kay, Grupo Mulheres do Brasil, Polícias Civil e Militar e demais órgãos da rede, mais uma vez inova na intenção de facilitar às mulheres o acesso a toda rede integrada de atendimento à mulher com o lançamento da Campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica. Com a campanha pretende-se que o simples comparecimento da vítima à uma farmácia parceira, com o sinal de um “X” vermelho na mão, possibilite o imediato acionamento da polícia. Esse importante e inédito trabalho só foi possível em razão da articulação feita pelo Conselho e pela Associação com todas as Coordenadorias e todos os magistrados brasileiros que atuam na violência doméstica, os quais foram responsáveis pela campanha em nível nacional, trazendo em conjunto, e como parceiros, as redes de assistência e saúde e a sociedade civil.

Ainda, o ministro Dias Toffoli, presidente do CNJ, publicou em 19 de junho de 2020 a Recomendação n. 67, para que os Presidentes dos Tribunais gestionem junto às Secretarias de Segurança Pública de todas unidades da Federação a fim de admitir registros eletrônicos de ocorrência de crimes praticados no contexto de violência doméstica com envio de dados, arquivos e pedidos de medidas protetivas de urgência ao Judiciário, já que a maioria das unidades não contempla ainda essa forma de registro on- line.

Por tudo isso, temos a absoluta convicção que o Judiciário nunca silencia, talvez só não faça tanto barulho quanto deveria quando o assunto é autopromoção. São as juízas e juízes de todo o Brasil, atuantes e eficazes no enfrentamento a essa violência covarde e cruel contra as nossas mulheres e meninas que evitam, diariamente, que as vozes de milhares de vítimas de violência doméstica que buscam os juizados todos os anos sejam silenciadas.

A violência doméstica é um fenômeno mundial agravado pelo momento delicado que vivemos e que, para ser erradicado ou ao menos minimizado, necessita de mudanças sociais, estruturais e culturais.

É no mínimo irresponsável atribuir um complexo problema social a um dos Poderes da nação que, como foi dito no início, sequer tem entre suas atribuições constitucionais a formulação e execução de políticas públicas de criação e implantação da rede de enfrentamento (de segurança pública, assistência, saúde, educação e habitação, entre outras), mas que vem atuando diuturnamente de forma colaborativa e eficiente para contribuir com toda a rede e, com isto, propiciar a melhoria da prestação jurisdicional, garantindo assim uma sociedade mais justa e igualitária para todos nós cidadãos brasileiros.

Juíza Jacqueline Machado

Presidente do FONAVID

Desembargadora Salete Silva Sommariva

Presidente do COCEVID

Juíza Renata Gil

Presidente da AMB

 


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